16 maio 2012

BINÓMIO

"Tristes das almas humanas, que põem tudo em ordem, que traçam linhas de coisa a coisa, que põem letreiros com nomes nas árvores absolutamente reais, e desenham paralelos de latitude e longitude sobre a própria terra inocente e mais verde e florida do que isso!" Alberto Caeiro

Falemos de educação, de disciplina, de disponibilidade e ócio.
Sabemos que a natureza é desordenada e desregrada, que ignora  qualquer princípio estético ou racional e que se limita a uma metamorfose contínua e evolutiva pela simples função de existir numa realidade despreocupada sem intencionalidade superficial...
Já nós, suprimimos essa simples existência de ser para vivermos em sociedade, regulada e ordenada, para que possamos justificar a nossa razão de significância, de dar um sentido às coisas, ao que somos...para fazermos parte de um sistema que depende de um rótulo para que, instantaneamente, tudo faça sentido, sem que questionemos muito.
Poderíamos coadunar com essa rebeldia aparente. Seríamos indisciplinadores!
Viver aparte da linguagem dos códigos administrativos, das instituições, estar à margem da ordem humana, correndo o risco de desumanização. 
Talvez um pequeno preço a pagar.
Que por um lado precisamos de uma regulação e que por outro precisamos de saber não sermos instituídos numa espécie de dependência destrutiva.
De ambos precisamos. Como qualquer dicotomia inerente à vida. 
É aqui que falhamos. Não conseguimos atingir um equilíbrio eficaz. Uma forma de salvação que proteja o individuo e o social simultaneamente.
Apostamos demasiado em extremos, julgando que "cortar o mal pela raiz" milagrosamente vai ao encontro da conformidade e harmonia pela ordem social.
Quando na verdade, apenas cria caos.
Aposta-se na disciplina, na autoridade, na ocupação do tempo, como se estar desocupado fosse um sinónimo de preguiça.
Se outrora a educação era praticada em tons de autoritarismo (não confundir com autoridade), hoje apelamos uma condescendência de submissão às estratégias de métodos e programas educacionais, meios burocráticos que repelem o génio criativo dos educadores e professores, a fim de valores estatísticos...degradando o ensino sem que nos apercebamos conscientemente. É que estamos tão empenhados em fazer, tomar acção, fazer isto e aquilo, fazer, fazer...que acabamos por perder a verdadeira noção de construção na educação. Acabamos por perder o nosso próprio sentido livre de acção, de reflexão, de equilíbrio.
Aqui ter autoridade não é apenas um estatuto de respeito, mas um valor conquistado pela coerência intelectual e emocional.
"Há problemas que ainda não consegui resolver. Deixaram as suas marcas. Imprimiram a sua nefasta influência num passado distante que nem sempre consigo localizar." A.C.
Para que se possa evoluir é preciso aprender com as lições que o passado nos ensinou, mas também é inevitável a perda destas mesmas memórias, como que um desapego racional do dia de ontem, para poder recomeçar, adquirir novas competências, criar novas perspectivas.
Alberto Caeiro diz que é preciso esquecer, ficarmos desocupados, para criarmos espaço para outras coisas novas.
Como buscar melhores dias se passamos a vida a remoer o passado? De facto, faz algum sentido. Mas, estaremos assim a negar memórias válidas que despertam os nossos reflexos, que nos fazem recordar e nos defendem de eventualidades? 
É impossível apagarmos as nossas memórias, ficarão quanto bastem connosco numa gavetinha do cérebro prontas a serem utilizadas caso haja necessidade, porém não devem ressurgir apoderando-se de vontade própria como que intrusas ditando as suas ordens.
É que precisamos da espontaneidade do momento para podermos descobrir e crescer.
"Esse otium, essa paz, só é possível quando varremos da nossa memória o peso morto do passado."
E que conotação tem afinal esta desocupação, de que tanta gente padece e que nos aflige assim tanto?
O problema reside, como sempre, na mania insistente de nós, raça humana, atribuir nomes e significados, de difamar associações em nosso prol.
É que ócio, otium em latim quer dizer durante a paz. Ninguém diria, não é?
Assim uma pessoa desocupada, disponível, livre de bagagem inútil, aceita a condição de ociosidade num trato de criatividade superior, permeabilizando a receptividade à verdade.
Será este o caminho para encontrarmos o nosso equilíbrio de realização humana?

Imagem retirada da Internet

Fonte Bilbiográfica_Conversas Inacabadas com Alberto Caeiro de José Flórido




2 comentários:

  1. A sociedade, e todas as áreas de influência que abarca, com todas as suas idiossincrasias, representa a concretização do lado pragmático da nossa existência. Até porque uma boa ideia, só é verdadeiramente uma boa ideia até que passe pelo crivo dessa pragmaticidade, e se prove útil, caso contrário é mera reflexão. Mas, de facto a criatividade é algo que muitas vezes não se compadece com a rigidez de um sistema mecânico e semi-automático. Há que tempos que não leio Pessoa, já devem ter pó algures nas estantes, tenho de os encontrar!

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  2. Gostei muito de escrever este post porque fala de coisas simples mas ao mesmo tempo pouco definidas.
    Sim revê essa literatura. Só ao fim de alguns anos é que comecei mesmo a compreender e a gostar do Pessoa.
    A forma monótona e pouco criativa de como é dada nos liceus...é uma chatice. :/

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